Conhecimento adquirido: Um caminho para o diploma universitário

Como a construção do saber transforma trajetórias acadêmicas e impulsiona conquistas profissionais

A educação superior é um dos pilares para o desenvolvimento pessoal e profissional. No entanto, há caminhos alternativos à obtenção de um diploma universitário que valorizam a experiência e o conhecimento acumulado ao longo da vida. Entre essas possibilidades, destaca-se o conceito de notório saber, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, mas ainda subutilizado no Brasil.

De acordo com o Parecer 296/97 do Conselho Nacional de Educação (CNE), o notório saber, reconhecido por universidades que oferecem cursos de doutorado em áreas afins, pode substituir a exigência de título acadêmico. A legislação prevê:

“Art. 66 – A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
Parágrafo único – O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.”

O notório saber é aplicado somente em nível de doutorado?

Embora amplamente associado a cursos de doutorado, o notório saber não está restrito a esse nível de formação. No Parecer CES 499/99, o Conselheiro Yugo Okida oferece uma interpretação abrangente do artigo 66 da LDB:

“O art. 66 refere que a preparação dos docentes para o ensino superior deve ser feita em nível de pós-graduação, prioritariamente, mas não exclusivamente, em programas de mestrado e doutorado. Admite, por outro lado, que a preparação para o magistério superior seja também feita em cursos de especialização, com carga horária mínima de 360 horas e disciplinas voltadas para a especialização do graduado em determinada área ou campo do saber de sua formação superior (Resolução nº 12/83 e legislação complementar e conexa).”

De acordo com Okida, o artigo sugere que a preparação docente não se limita a um título de mestrado ou doutorado. A qualificação mínima para a docência no ensino superior seria a especialização, enquanto o parágrafo único do mesmo artigo abre uma possibilidade adicional: o reconhecimento do notório saber como substituto ao título acadêmico, desde que a pessoa apresente um currículo profissional robusto.

Esta flexibilidade permite que profissionais experientes, mas sem titulação formal avançada, sejam reconhecidos como professores qualificados. A lógica é que o conhecimento acumulado e as contribuições relevantes em suas áreas de atuação podem suprir a exigência do título acadêmico.

O reconhecimento internacional do saber adquirido

Enquanto o Brasil ainda debate e limita a aplicação do notório saber, universidades estrangeiras adotam práticas consolidadas para validar o conhecimento prévio, como o Validation des Acquis de l’Expérience (VAE) e o Recognition of Prior Learning (RPL).

Exemplos de universidades que aplicam o VAE

Na França, a VAE permite que um indivíduo obtenha parcial ou integralmente um diploma com base na validação de sua experiência prática.

Université Paris 8: Oferece programas de VAE para validar conhecimentos e conceder diplomas em diferentes níveis, do bacharelado ao mestrado.

Université de Lorraine: Possui um processo estruturado que inclui orientação para documentação e análise detalhada de portfólios de evidências.

Sorbonne Université: Permite o acesso ao reconhecimento formal de competências, sendo líder em VAE no país.

Esses processos seguem orientações regulatórias consistentes. Na União Europeia, a RPL é desenvolvida com base em documentos como:

Convenção sobre o Reconhecimento de Qualificações relativas ao Ensino Superior na Região Europeia (https://rm.coe.int/168007f2c7)

Manual do Espaço Europeu de Reconhecimento da Comissão Europeia (http://ear.enic-naric.net/emanual/);

Manual Europeu de Reconhecimento para Instituições de Ensino Superior (https://www.enic-naric.net/page-EAR-HEl-manual);

Manual da Unesco (https://www.unesco.org/fr/education/guide-vae).

Exemplos de universidades que aplicam o RPL

Nos países anglo-saxões, o RPL é amplamente reconhecido como um instrumento para converter experiência prática em créditos acadêmicos.

University of South Africa (UNISA): Oferece um programa robusto de RPL, validando competências para graduação e pós-graduação.

Open University (Reino Unido): Permite que estudantes encurtem seus estudos ao reconhecer experiências profissionais relevantes.

University of Melbourne (Austrália): Inclui o RPL como parte de seus processos seletivos, especialmente em programas de pós-graduação.

Logos University International, UniLogos (França): Inclui o RPL como parte de seus processos de validação de estudos e competências.

Benefícios e desafios

O reconhecimento do saber adquirido traz inúmeros benefícios. Ele valoriza trajetórias únicas e permite que profissionais sem formação acadêmica formal avancem na carreira. Além disso, promove a inclusão social e diversifica o acesso ao ensino superior.

No entanto, os desafios persistem. O processo exige critérios claros, transparência e rigor para garantir que a qualidade do reconhecimento não seja comprometida. No Brasil, a experiência internacional pode servir de modelo para a aplicação efetiva do notório saber.

O notório saber e as práticas internacionais como o VAE e o RPL mostram que a valorização do conhecimento adquirido é essencial para democratizar o ensino superior e impulsionar o desenvolvimento profissional. A inclusão do parecer CES 499/99 reforça que o Brasil possui, em sua legislação, o embasamento necessário para ampliar o reconhecimento de experiências práticas. Contudo, é preciso superar as barreiras culturais e implementar políticas eficazes que garantam a plena aplicação desse recurso valioso.